terça-feira, 8 de março de 2016

Educação em língua materna e respeito à cultura dos indígenas é desafio para os chilenos

Descrição para cegos: foto mostra os rostos de 3 crianças
 indígenas do Chile, tendo na cabeça faixas enfeitadas com
desenhos típicos da sua cultura amarradas em torno das cabeças.

Com base em relatório da Unicef, o qual afirma que 40% das crianças no mundo não têm acesso a educação em sua língua materna, a jornalista Adélie Pojzman Pontay apresenta situação enfrentada pelos povos mapuche e mapudungun, no Chile. O respeito à língua materna é um direito humano e necessário à preservação das culturas anteriores à colonização, assim como, a toda a diversidade cultural. Tal situação não é só enfrentada no Chile, como nos demais países da América Latina. Contudo o ensino na língua materna, por si só, não é o suficiente, sendo necessário ações efetivas para a manutenção da cultura em geral (Tiago Bernardino).

Unicef: 40% das crianças não têm acesso a educação em sua língua materna

Adélie Pojzman Pontay – traduzido por Tiago Bernardino

Trata-se de uma situação que, segundo vários especialistas, não apenas causam discriminação. Também impede o bom desenvolvimento dos meninos e meninas afetados. No Chile, o caso dos mapudungun e do povo mapuche, é um exemplo claro.


O Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef) anunciou esta semana que 40% das crianças no mundo não têm acesso a educação em sua língua materna ou em uma língua que eles não compreendem ou falam. Segundo um estudo anterior, 221 milhões de pessoas se encontram nesta situação, principalmente em lugares que há uma grande diversidade linguística.
O relatório notou que esta situação impede que as crianças tenham uma base sólida para ler e escrever. Também fortalece fenômenos de exclusão social e de pobreza, em particular quando esta discriminação está vinculada a certas etnias.
"No Peru, a diferença nos resultados dos testes entre as crianças indígenas e não-indígenas na segunda série é considerável e crescente. Em 2011, os falantes de espanhol foram mais de sete vezes mais propensos do que os falantes de línguas indígenas para alcançar níveis satisfatórios na leitura ", diz o relatório.
Quando uma criança não pode estudar em seu próprio idioma, ele não apenas se atrasa academicamente. Também o sistema o comunica que sua língua pode ser um vínculo de sabedoria. Quando a sociedade não apoia o uso de uma língua está dizendo: este idioma não serve, não tem valor.
“Em países multi-étnicos, por exemplos, a imposição de um único idioma dominante, como o idioma ensinado nas escolas, é decidido, muitas vezes, por necessidade. E com frequência tem sido um motivo para reivindicações e conflitos ligados com temas mais amplos relacionados a desigualdade social e cultural”, acrescentou.
O direito línguístico faz parte dos direitos humanos fundamentais. No Chile, a luta dos povos indígenas, em particular os mapuches, por este direito linguístico, não foi resolvido. A maioria dos alunos falam casteliano, no entanto o problema não é receber uma educação em sua língua materna, mas sim lutar contra a homogenização da sociedade chilena para proteger a herança de seu povo.
Elisa Loncón, especialista em educação intercultural da Universidade de Santiago do Chile, que também trabalha na Rede pelos Direitos Linguísticos e Educativos do Povo Mapuche, explicou: “Há um sistema educativo colonial e generalizado onde os indígenas não têm espaço. Obviamente transforma a mente dos povos indígenas e tem o sentido de assumir que eles não valem a pena. Porque no fundo o sistema educativo é um sistema de reprodução de um sistema dominante”.
“Quando o Estado Chileno começa a implantar suas instituições dentro do território mapuche, e assim chilenizá-la em definitivo, e implantam uma política de educação em casteliano, tira o povo mapuche de seu idioma. Então se forma uma situação política onde o Estado chileno buscou homogenizar toda a população”, acrescentou Danko Marimán, porta-voz da oficialização dos mapudungun em Araucanía.
Na sexta-feira, 21 de fevereiro, Dia Internacional da Língua Materna, Marimán e outros ativistas organizaram uma caminhada familiar para pedir a oficialização dos mapudungun a nível regional.
Com o decreto 280 de 2009, se concretizou a implementação da educação intercultural no Chile. Segundo o Ministério da Educação (Mineduc), que administra este programa, no ano de 2014 havia 50 mil estudantes em 1.270 escolas por todo o páis, que se beneficiaram de uma alguma forma do programa intercultural.
“Esta cifra corresponde ao total de matrículas dos cursos que ingressam notas da disciplina Setor de Língua Indígena no Sistema Geral de Informação de Estudantes”, explicou Vadim Vidal, da Direção de Comunicação do Mineduc.
Esses programas podem ser o ensino de uma língua indígena como disciplina, em uma oficina ou programa de “revitalização e desenvolvimento cultural e linguístico”. Também há 482 educadores financiados pelo Estado.
Este decreto exige que as escolas que tenham 20% de seus alunos autoidentificados como indígenas, lhes deem acesso a programas interculturais. Sem embargos, um dos problemas da implementação é que cerca de 70% da população indígena vive em zona urbana, onde quase nunca há uma concentração tão alta. Por exemplo, 30% do povo mapuche vive na região metropolitana de Santiago, a segunda taxa mais alta depois de La Araucanía.
Segundo o Mineduc, existem 40 programas interculturais nesta região, 6 disciplinas e 34 oficinas interculturais. Na comuna de Puente Alto, que tem a maior quantidade de mapuches na capital, com quase 15 mil segundo o senso de 2002, asseguram que não existe nenhum programa deste tipo em suas escolas. Em La Pintana, onde há mais de 11 mil mapuches, a única oficina que existia em toda a comuna, no colégio Juan de Dios Aldea, não vai continuar este ano por falta de interesse.
Para Elisa Loncón, o formato do ensino de linguas indígenas também é um problema, porque é apenas uma disciplina com duração de 3 horas por semana.
“A língua mapudungun não cumpre todas as funções sociais: não é a língua da administração, não é a língua da política, não é a língua da cultura, não é a lingua dos meios de comunicação. Então, o que significa isso? É preciso se desenvolver todas essas funções sociais da língua mapuche para que realmente funcionem em iguais condições com o espanhol”, exigiu a professora.
Além disso, explicou a situação dos educadores tradicionais não ajuda. Segundo ela, não são como os professores,uma situação que os mantém em precariedade, especialmente em áreas rurais. Tampouco lhes dá o mesmo respeito frente aos alunos.
“Um escola com uma educação intercultural bilíngue deveria ser uma escola transformada estruturalmente, onde todos os professores tenham uma valoração de diversidade, tenham uma valoração das raízes dos povos originários”, acrescentou.
Para ela, a última etapa desta estrada é completamente "fora" de conversa. Que é a educação intercultural para todos. "Em todo, o sistema escolar deve atender a um sistema de discriminação que tem caracterizado o sistema ao longo da história”.
A oficialização das línguas originárias, ao menos a nível regional, poderia compensar essa história dolorosa.
“Quando nós estamos pedindo a oficializaçaõ dos mapudungun, não estamos dizendo em nenhum momento que o casteliano não vai mais ser falado ou que os falantes de casteliano vão ser castigados e discriminados como foram os falantes de mapudungun em seu momento. Ao contrário, cremos em uma sociedade bilíngue, que se aceite em espaços de tolerância onde convivem dois povos”, explicou Mariman.
Maria Lara Millapán, uma professora da Universidade Católica de Villarica, que escreve sua tese de doutorado sobre o ensino de mapudungun, é mais otimista. Isto, ao destacar o caso da comuna de Galvarino, em La Araucanía, onde o mapudungun é língua oficial desde junho de 2014.


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