sábado, 20 de abril de 2019

Entre o espelho da invisibilidade e o futuro da dignidade

 
Descrição para cegos: Malala Yousafzai posa com a medalha e o diploma do Prêmio Nobel da Paz                Foto: G1
Por Samuel de Brito

Eu pensei um dia que fosse fácil fazer educação, então refleti em frente ao espelho que as dores da sociedade podem ser resolvidas a partir dela mesma. No espelho, vi o invisível. A invisibilidade que a história me conta sobre igualdade. A invisibilidade da luta das mulheres. Entre o espelho e o futuro, vi esperança e passei a sonhar com a dignidade. Dignidade que meus futuros filhos e filhas possam ter aprendendo com o passado a escrever novas páginas mais justas. 
Que não se aponte o dedo para Benazir Bhutto, ela que rompeu fronteiras sendo a primeira mulher a ocupar um cargo de chefe num Estado muçulmano. Pois “Benazir resiste, o olho que existe é o que vê”.
Do mesmo Paquistão, lugar que a mim não é sinônimo de guerra, mas sim de coragem, que assim como Benazir, a coragem e o ativismo da mulher nova (a mais jovem a ganhar um Nobel da Paz) como Malala Yousafzai também vem de lá, porque a educação não deve ser direito reservado a apenas alguns. Ela que, com sua sabedoria, defende a educação a longo prazo como melhor investimento, em especial para o desenvolvimento feminino.
A Malala que incomodava. E seu crime? Foi se manifestar contra a proibição de estudos para as mulheres em seu país, pelo governo talibã. Tentaram silenciar Malala, falharam. Aos 15 anos, baleada na cabeça, renasceu. 
Longe do Paquistão, em um país teoricamente democrático, algo parecido. Também quiseram silenciar uma mulher, negra e de origem humilde, Marielle Franco. Não da mesma forma, mas também falharam. Tragicamente, ela perdeu a vida, porém falharam porque não conseguiram silencia-la. Sua voz foi ouvida ainda mais longe e continua presente, fazendo surgir o grito da luta de milhares pelo Brasil afora.
Quero a força da voz de Aretha Franklin ecoando e resistindo as barreiras sociais impostas as mulheres negras. Quero ver meus filhos incentivados a ler e entender a riqueza que contém a cultura negra. Também compreendendo as diferenças sociais entre mulheres brancas e mulheres negras.
Quero mais a ousadia de Kathrine Switzer, que correu, no sentido literal da palavra, atrás da igualdade de gênero. A primeira mulher a participar de uma maratona, a de Boston em 1967, tentaram impedi-la, ela resistiu. Estava decidida a mudar a história do esporte. Ela soube bem como largar na frente!
Quero aprender sobre essas histórias. A história de verdade. A história que me conta o poder e a luta das mulheres, sem nos esconder a dívida histórica que o patriarcado possui. 
Um dia soube da história da professora Gina Vieira Ponte, na capital do país. Ela que assim como eu e talvez você, um dia sonhou com um Era uma Vez “a menina que sonhava que a escola era um lugar mágico”. E a partir daí, hoje, torna esse sonho real aos alunos que ela leciona. Por uma questão de humanidade, ela não deixa passar a oportunidade de falar dos direitos das meninas e mulheres em sala de aula.
Fiquei felicitado com tamanha sensatez e pertinência: "Todo mundo fala que os jovens viram as costas para a escola, mas é a escola que vira as costas pra eles. A gente tem uma educação pra obediência e subordinação e não para a construção do pensamento crítico ou para a criança aprender a se relacionar." Quero mais professores encorajados a debater gênero de forma fundamentada.
Não quero apenas meninos abrindo portas, quero cidadãos que reconhecem os privilégios de ser homem numa sociedade arcaica. Igualmente não quero vê-los entregando flores se o cartão levar sinônimos de hipocrisia. Quero respeito e reconhecimento.
Quero ver no futuro, crianças e adolescentes que sejam interpretes da literatura, da música e que possam a partir da arte compreender o quão belas são as diversas manifestações culturais. Sem preconceitos ou conceitos equivocados. Que todos entendam que “você é seu próprio lar”.
Queria poder contar a história a eles não só de pseudônimos escritos por poetisas tão magnificas. Quero vê-los lendo Matilde Campilho os cobrindo com os abismos de suas mulheres, tortuosos, mas que possam ser infindos e abissais de conquistas.
Quero, olhos nos olhos, entender a alma feminina e que as mulheres de Atenas, possam desconstruir o patriarcado.
Desejo que possamos conhecer não apenas parte da história, afinal a educação e a cultura são direitos humanos. Que todos saibam da importância das mulheres citadas e de tantas outras que não nos são mostradas. E só através da educação e da cultura será possível. A educação de casa, a educação escolar, a cultura que nos oferece tanto conhecimento, que ela seja exaltada. 
 Que eu possa, no mesmo espelho que refletiu o invisível, ver aos poucos a dignidade aparecer. Que a igualdade siga junto derrubando as Bastilhas.
 

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