quarta-feira, 17 de abril de 2019

“Não é Não” e o Feminismo Nosso que Falta no Dia a Dia

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Descrição pra cegos: uma mão colocando um adesivo no ombro de uma mulher onde está
escrito: Não é não. Foto: ArteCult


Por: Joel Cavalcante
         O carnaval de 2019 contou com uma forte campanha contra o assédio sexual. A campanha “Não é Não” veio para conscientizar as/os foliões sobre a necessidade de um comportamento lúdico que respeitasse os limites da individualidade da outra pessoa, sobretudo das mulheres, em consonância com a Lei 13.718 de 24 de setembro de 2018 que tornou crime a importunação sexual. Ademais, a maior festa popular brasileira coincidiu na mesma semana do Dia Internacional da Mulher.

         Em vários blocos carnavalescos de João Pessoa foi possível ver homens e mulheres com adesivos do “Não é Não”. A campanha, assim como a lei que criminaliza a importunação sexual, chegou a ser bastante criticada por muitos homens, inclusive do jornalismo paraibano. Durante um dos programas radiofônicos do meio-dia, um dos apresentadores disse, na semana anterior à festa, que a folia ia ficar sem graça. “Como vou curtir o carnaval sem poder beijar uma mulher? Tenho que pedir um beijo por obséquio? ”. No raciocínio do radialista, a mulher deveria, portanto, um objeto de sua vontade.

         O machismo e o sexismo estão enraizados na cultura patriarcal brasileira, que coloca o pai/homem como centro de poder e chefe dos desejos femininos. Desde o período colonial, a mulher era vista tão somente como objeto de desejo dos homens, sujeitos sem direitos e com muitos deveres, sobretudo os sexuais e os domésticos. Chegamos quase no final da segunda década do século XXI e vemos não apenas falas públicas de profissionais de imprensa, mas também mortes, agressões de todos os tipos, e uma imensa desigualdade econômica e política em razão do gênero.

         O atual presidente da república foi eleito com um discurso machista declarado. Todos lembram da frase proferida a uma deputada federal sobre não a estuprar porque ela não merecia; existem, no pensamento do chefe da nação, mulheres que merecem ser estupradas. No seu governo formado por 22 ministérios, tem-se apenas duas mulheres. No dia 08 de março ele declarou, em solenidade oficial alusiva ao Dia Internacional da Mulher, que as duas mulheres valeriam pelos vinte homens.

       A ministra da mulher, família e direitos humanos disse que o governo ia ensinar os meninos a darem flores para as meninas e a abrir a porta dos carros, numa direção totalmente contrária do que as mulheres buscavam discutir no dia. No Twitter, a hashtag #TrocoFloresPor era um dos assuntos mais comentados. Flores representam a consolidação do discurso machista que coloca a mulher como sexo frágil.
As críticas do “Não é Não”, as falas do presidente da república e da ministra da mulher, família e direitos humanos deixa claro a necessidade premente de educar meninos e meninas, adolescentes e jovens, homens e mulheres adultas sobre a igualdade de gênero, em outras palavras, uma educação feminista.

        Tive recentemente a oportunidade de ler o opúsculo “Sejamos Todos Feministas” da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, uma versão adaptada de uma palestra sua em 2012. De forma simples e didática, ela relata casos de sua vida que a levaram a torna-se feminista e como o machismo e a misoginia estão impregnados na cultura nigeriana. Muita gente justifica a desigualdade entre homens e mulheres com base na cultura. Segundo a escritora: “A cultura não faz as pessoas. As pessoas fazem a cultura. Se uma humanidade inteira de mulheres não fazem parte da nossa cultura, então temos que mudar nossa cultura.”

        Mudança cultural de mentalidades e práticas é feita, sobretudo, por meio da educação. E educação formal porque em muitas famílias (na maioria) os fundamentos machistas são dogmas. A escola precisa adotar em seus currículos conteúdos que ensinem desde cedo que a igualdade é um valor importante para as crianças. Ensinar sobre gênero, ao contrário do que pensam os integrantes do atual do governo federal, sobretudo o chefe, não é ensinar a fazer sexo, mas a pensar que um mundo igual entre meninos e meninas é mais que possível, é necessário. Ensinar que brinquedos são iguais e não devem ser separados por gênero, que trabalho doméstico é dever de todos que moram no lar.

        Feminismo não interessa apenas as mulheres. É bom lembrar que o sexismo e o machismo afeta diretamente todos os homens que não adotam o padrão de masculinidade dominante. A homofobia está aí para comprovar que não apenas homens gays são agredidos ou mortos; existem vários casos de heterossexuais que sofreram por, em um dado instante, apresentar comportamento que “não era de homem.”

        Finalizo com um trecho lindo do livro de Chimamanda que é um convite a todos e todas nós: “A questão de gênero é importante em qualquer canto do mundo. É importante que comecemos a planejar e sonhar um mundo diferente. Um mundo mais justo. Um mundo de homens mais felizes e mulheres mais felizes, mais autênticos consigo mesmos. E é assim que devemos começar: precisamos criar nossas filhas de uma maneira diferente. Também precisamos criar nossos filhos de uma maneira diferente.”

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