Há alguns anos, qualquer brasileiro, se perguntado sobre o gênero musical genuinamente carioca, responderia samba. De meados dos anos 90 para cá, essa resposta não sai tão fácil, pois outro som passou a ecoar entre as vielas das comunidades e as pistas de dança da cidade. Assim como o samba, o funk se firmou como o som que é a cara do Rio de Janeiro e rapidamente tornou-se conhecido por todo o país. DJs brasileiros, sobretudo o DJ Malboro, desenvolveram o "som de preto e favelado" que animava os bailes cariocas ao final dos anos 80.
Manifestação cultural da periferia
A popularização do ritmo, no entanto,
trouxe consigo algumas mudanças. Como é comum acontecer com as manifestações
culturais populares, setores das indústrias da cultura, sobretudo a
fonográfica, perceberam o potencial mercadológico da música e a incorporaram
entre seus produtos. Esse processo acaba por dar visibilidade a poucos
artistas, além de ditar parâmetros para a produção, a partir de critérios midiáticos
e de mercado.
MC Leonardo, cantor e compositor de
funks, afirma que, desse modo, uma parcela específica de artistas e composições
são privilegiados, em detrimento de outros tantos. "É preciso divulgar os
trabalhos dos artistas que não estão se enquadrando no mercado apelativo".
Sobre esta questão, o manifesto do Movimento Funk é Cultura ressalta que
"sob o comando monopolizado de poucos empresários, a indústria funkeira
tem uma dinâmica que suprime a diversidade das composições, estabelecendo uma
espécie de censura no que diz respeito aos temas das músicas".
MC Leonardo é um dos fundadores do
Movimento que surgiu recentemente no Rio de Janeiro, procurando reunir artistas
do gênero e fortalecer o funk enquanto manifestação cultural. Para os
integrantes do Movimento, o gênero é hoje uma das maiores manifestações
culturais de massa do país e "está diretamente relacionado aos estilos de
vida e experiências da juventude de periferias e favelas", afirma.
Representação
do funk na mídia
Os participantes da iniciativa têm
buscado, a partir da mobilização de artistas, levar adiante a criação da
Associação de Profissionais e Amigos do Funk (APAFunk). Leonardo explica que a
idéia da Associação surgiu da constatação da importância de se organizar para
fortalecer o movimento. "Somente juntos poderemos lutar pra que o funk
tenha papel social dentro das favelas, pois hoje é inviável desenvolver esse
papel no mercado", afirma o MC. A professora Adriana Facina, uma das
idealizadoras do movimento, completa, afirmando que a APAFunk tem um papel
fundamental na busca por "produzir espaços alternativos para a divulgação
de uma produção musical que não encontra, hoje, lugar no mercado".
Além de buscar divulgar o funk que
está à margem da indústria da música e da mídia, a Associação também terá o
papel de apoiar os artistas na garantia de seus direitos, oferecendo assessoria
jurídica e de imprensa. Segundo Adriana, esta última é importante porque
notícias que associam o funk ao crime são frequentes. "Se um jovem de
classe média é assassinado na saída de uma boate da zona sul carioca ou de uma
micareta, a imprensa não vai associar sua morte ao tipo de música que estava
tocando nesses lugares", afirma a professora.
O grupo do Movimento Funk é Cultura
está reunindo recursos e construindo parcerias para legalizar a associação. Mas,
segundo seus integrantes, ela já existe de fato, principalmente por conta das
rodas de funk que vêm organizando periodicamente e do festival que acontecerá
em novembro. Adriana alerta que no dia 19 de novembro haverá uma roda
organizada pelo grupo, juntamente com o professor Samuel Araújo, na Escola de
Música da UFRJ, em comemoração ao Dia da Consciência Negra. "Já são
milhares de pessoas que freqüentam nossas rodas, se emocionam. Gente de classes
sociais diversas, de faixas etárias que vão de 0 a 80 anos, homens e mulheres
comprovando o potencial comunicativo que o funk tem", afirma.
Funk
na lei
Ainda na busca por afirmar o ritmo como expressão cultural, o Movimento buscou apoio na esfera legislativa do Estado. Foram encaminhados dois projetos de lei, um na Assembléia Legislativa e outro na Câmara dos Deputados, elaborados pelos deputados Marcelo Freixo e Chico Alencar, respectivamente, que reconhecem o funk como manifestação cultural de caráter popular. Se aprovadas, as leis também garantirão que o gênero não poderá ser tratado de forma discriminatória. Adriana Facina ressalta que essa questão é relevante para que artistas e público possam "confrontar comandantes de batalhões e outros agentes privados ou do estado que impeçam a realização de bailes e festejos do funk".
O que se vê é que, mesmo com seu
sucesso e alcance, o gênero – e principalmente seus artistas – ainda são
tratados com discriminação. A associação com o crime é apenas uma das formas de
manifestar o preconceito. Há ainda quem afirme que a batida não pode ser
considerada música ou que é apenas a expressão do vazio cultural que emana das
periferias. Aos críticos, Adriana, que é professora da Faculdade de História da
UFF, responde lembrando que "o gosto é uma construção histórica e de
classe. Os que hoje se ofendem com a batida do funk são herdeiros culturais dos
senhores de escravos que temiam os batuques vindos de suas senzalas, pois eles
demonstravam a autonomia e a potência dos que estavam no cativeiro". MC
Leonardo faz coro à professora e conclui: "ver o funk como lixo cultural é
ir na contramão da história".
Nathalia Correia
Saiba mais em:
http://www.oicult.blogspot.com
Fonte: Observatório
de Favelas com modificações.
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