Por Natália Mélo
Recentemente estive fazendo uma
imersão cultural pela cidade de São Paulo, visitando museus, teatros e percebi
como somos guiados pela mídia, mesmo quando se trata de cultura.
Confesso que não conhecia a
cidade e que ganhei um roteiro cuidadosamente produzido por uma paulistana (é
assim que se refere a quem nasceu na cidade São Paulo e Paulista no Estado, sim
acredite, existe esta diferença). Ela compilou todos os lugares que a
curiosidade midiática chama, da gastronomia à moda.
Foram manhãs divididas entre
conhecer costumes locais, bem diversos por sinal, para uma cidade cada vez mais
de todos e menos de si mesma, e lembrar de programas ou novelas, até mesmo,
matérias gravadas pela cidade.
No imaginário comum, quem não viu Tony Ramos interpretando o
comerciante Juca, que tinha barraca de frutas no Mercado Municipal e não foi ao
local só por isso, ver a tal barraca que é verdadeira, existe e até hoje está
lá, bem sinalizada? Ou mesmo, foi a uma avenida próxima, a 25 de março, mesmo
que como eu, não fez compras, mas queria ter a oportunidade de ver esta avenida
tão difundida nas matérias, com cada vitrine em acordo com as novelas de maior
audiência, e seus personagens marcantes de estilos copiados?
Tão copiados, que uma loja me chamou a atenção. Vendia
Lingeries com som ambiente trazendo o tema da abertura da novela Belíssima, a
música de Caetano “Você é Linda”, que tinha a sequência das imagens de uma
mulher magérrima, de roupas íntimas e salto, em poses sensuais, numa vitrine, aos
olhos desejos de homens e a inveja feminina. O círculo completo do estereótipo
criado para a brasileira, colocando regras que criam transtorno e tem levado à
morte.
Em contraponto, a Oscar Freire, avenida caríssima, de
produtos para poucos, com sua cópia e influência das marcas internacionais pops
ou mesmo clássica, que cruza com a Augusta, avenida mista da cidade,
considerada um gueto social para LGBTQI+ e de encontro com intelectuais,
artistas.
Quando pensei em ir ao teatro “O do Municipal, o que a Ana
Botafogo dançava” a turista que habita em mim, gritou. Belo prédio! Quanta
história! Que arquitetura! O que mais me impressionou foi ver que o imperativo
interno de remeter o espaço a sua eterna Primeira Bailarina, não foi só minha.
Muitas pessoas na fila de entrada faziam falas aproximadas, do tipo: “Queria ver o palco que a Ana dançou”, “O Teatro deveria se Chamar Ana Botafogo”,
e claro, tínhamos os que a necessidade de ser notícia, levava a selfie
de maior dedicação do que conhecer a história do lugar, já que estava nele.
O mesmo vi no MASP, o Museu de Arte de São Paulo – Assis
Chateaubriand, isso mesmo, do mesmo modo que nosso Espaço Cultural, de João
Pessoa, é de nome esquecido, José Lins do Rêgo, poucas pessoas sabem o nome
dele E o visitam por ser um “ponto turístico” e não de cultura.
Fazer foto ao lado dos quadros, era o objetivo da maioria,
dos clássicos, sem nenhuma surpresa, os de maior propagação em tv, um Portinari
com “Lavrador de Café”, Renoir com “Vestido Rosa e Vestido Azul”, Portinari com
os “Retirantes”. Até a popular Fhida Khalo, que sendo símbolo para muitos, como
não tem quadro apresentados em TVs, tinha obras passando despercebida aos olhares,
inclusive de jovens que vestiam camisetas e bolsas com sua imagem, pelo simples
fato de não lerem legendas das telas. Nem falo em conhecer os traços da
artista, e de seu grande amor, Diego Rivera, que tinha material exposto ao
lado.
Quando digo que a mídia influencia e muito em nossa busca
pelo cultural, é pelo fato de não ter me faltado nem a foto clássica, do
cruzamento imortalizado por Caetano na música “Sampa”, avenidas Ipiranga com
São João, no Bar da Brama, ouvindo o show de Demônio da Garoa.
O parque do Ibirapuera foi o mais marcante sobre nossa
relação de consumo com a cultura. Turistas que ali estavam queriam ver o
Ginásio do Criança Esperança, atravessando a avenida para outro portão, ver as
edificações de Oscar Niemayer com o edifício “Oca”, planetário, MAM, o Museu de
Arte Moderna. O café era mais visitado, que as salas de exposição.
Lá, um prédio ao lado me chamou a atenção. Faria minha primeira
descoberta, o primeiro lugar que visitaria sem impulsão midiática, o Museu Afro
Brasileiro, com mais de 6 mil peças. Inclusive, a estrutura da embarcação de
desembarque de escravos do navio negreiro, encontrado na Bahia, um barco que
era apoio do principal meio de transporte de negros, que servia de isolamento
de doentes e de castigo para revoltados, além de embarcação para desembarque do
navio negreiro, que grande demais, não aportava na praia.
Esse foi o único museu que visitei, dos 36, que não tinha ar
condicionado, que percorri quase só, que não aparecia em nenhum mapa de
divulgação da cidade, que seu café estava vazio, e com campanha de arrecadação
financeira para manter-se aberto. Confesso que estas constatações me doerem
muito, como mulher Negra, porém, nada iria se comparar com o diálogo que
ouviria na saída, em que uma jovem branca chama sua igual para entrar no museu
Afro e recebe como resposta: “Não é dia da consciência negra, no dia, podemos
voltar para fazer a selfie para as postagens do dia”
Isso me fez ver como somos influenciados e queremos
influenciar, como eu mesma agora, querendo que você ao me ler, busque sair do
óbvio que nos é apresentado como cultura. Tudo o que é produção de invisibilizados,
assim também será. Quanto não perdi por não ter pesquisado ver coisas e espaços
ligados as minhas causas, lutas e crenças.
Precisamos fugir desta lógica que nos mantém na postura de
controlados, de saber teleguiado, de comportamento padronizado, guiados pelas
emoções e buscas que nos “dizem” o que devemos buscar, quando e porquê.
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