domingo, 19 de maio de 2019

Cultura e Mídia

Por Natália Mélo

      Recentemente estive fazendo uma imersão cultural pela cidade de São Paulo, visitando museus, teatros e percebi como somos guiados pela mídia, mesmo quando se trata de cultura.
       Confesso que não conhecia a cidade e que ganhei um roteiro cuidadosamente produzido por uma paulistana (é assim que se refere a quem nasceu na cidade São Paulo e Paulista no Estado, sim acredite, existe esta diferença). Ela compilou todos os lugares que a curiosidade midiática chama, da gastronomia à moda.
      Foram manhãs divididas entre conhecer costumes locais, bem diversos por sinal, para uma cidade cada vez mais de todos e menos de si mesma, e lembrar de programas ou novelas, até mesmo, matérias gravadas pela cidade.
      No imaginário comum, quem não viu Tony Ramos interpretando o comerciante Juca, que tinha barraca de frutas no Mercado Municipal e não foi ao local só por isso, ver a tal barraca que é verdadeira, existe e até hoje está lá, bem sinalizada? Ou mesmo, foi a uma avenida próxima, a 25 de março, mesmo que como eu, não fez compras, mas queria ter a oportunidade de ver esta avenida tão difundida nas matérias, com cada vitrine em acordo com as novelas de maior audiência, e seus personagens marcantes de estilos copiados?
     Tão copiados, que uma loja me chamou a atenção. Vendia Lingeries com som ambiente trazendo o tema da abertura da novela Belíssima, a música de Caetano “Você é Linda”, que tinha a sequência das imagens de uma mulher magérrima, de roupas íntimas e salto, em poses sensuais, numa vitrine, aos olhos desejos de homens e a inveja feminina. O círculo completo do estereótipo criado para a brasileira, colocando regras que criam transtorno e tem levado à morte.
      Em contraponto, a Oscar Freire, avenida caríssima, de produtos para poucos, com sua cópia e influência das marcas internacionais pops ou mesmo clássica, que cruza com a Augusta, avenida mista da cidade, considerada um gueto social para LGBTQI+ e de encontro com intelectuais, artistas.
      Quando pensei em ir ao teatro “O do Municipal, o que a Ana Botafogo dançava” a turista que habita em mim, gritou. Belo prédio! Quanta história! Que arquitetura! O que mais me impressionou foi ver que o imperativo interno de remeter o espaço a sua eterna Primeira Bailarina, não foi só minha. 
      Muitas pessoas na fila de entrada faziam falas aproximadas, do tipo: “Queria ver o palco que a Ana dançou”, “O Teatro deveria se Chamar Ana Botafogo”, e claro, tínhamos os que a necessidade de ser notícia, levava a selfie de maior dedicação do que conhecer a história do lugar, já que estava nele.
      O mesmo vi no MASP, o Museu de Arte de São Paulo – Assis Chateaubriand, isso mesmo, do mesmo modo que nosso Espaço Cultural, de João Pessoa, é de nome esquecido, José Lins do Rêgo, poucas pessoas sabem o nome dele E o visitam por ser um “ponto turístico” e não de cultura.
       Fazer foto ao lado dos quadros, era o objetivo da maioria, dos clássicos, sem nenhuma surpresa, os de maior propagação em tv, um Portinari com “Lavrador de Café”, Renoir com “Vestido Rosa e Vestido Azul”, Portinari com os “Retirantes”. Até a popular Fhida Khalo, que sendo símbolo para muitos, como não tem quadro apresentados em TVs, tinha obras passando despercebida aos olhares, inclusive de jovens que vestiam camisetas e bolsas com sua imagem, pelo simples fato de não lerem legendas das telas. Nem falo em conhecer os traços da artista, e de seu grande amor, Diego Rivera, que tinha material exposto ao lado.
     Quando digo que a mídia influencia e muito em nossa busca pelo cultural, é pelo fato de não ter me faltado nem a foto clássica, do cruzamento imortalizado por Caetano na música “Sampa”, avenidas Ipiranga com São João, no Bar da Brama, ouvindo o show de Demônio da Garoa.
     O parque do Ibirapuera foi o mais marcante sobre nossa relação de consumo com a cultura. Turistas que ali estavam queriam ver o Ginásio do Criança Esperança, atravessando a avenida para outro portão, ver as edificações de Oscar Niemayer com o edifício “Oca”, planetário, MAM, o Museu de Arte Moderna. O café era mais visitado, que as salas de exposição.
      Lá, um prédio ao lado me chamou a atenção. Faria minha primeira descoberta, o primeiro lugar que visitaria sem impulsão midiática, o Museu Afro Brasileiro, com mais de 6 mil peças. Inclusive, a estrutura da embarcação de desembarque de escravos do navio negreiro, encontrado na Bahia, um barco que era apoio do principal meio de transporte de negros, que servia de isolamento de doentes e de castigo para revoltados, além de embarcação para desembarque do navio negreiro, que grande demais, não aportava na praia.
      Esse foi o único museu que visitei, dos 36, que não tinha ar condicionado, que percorri quase só, que não aparecia em nenhum mapa de divulgação da cidade, que seu café estava vazio, e com campanha de arrecadação financeira para manter-se aberto. Confesso que estas constatações me doerem muito, como mulher Negra, porém, nada iria se comparar com o diálogo que ouviria na saída, em que uma jovem branca chama sua igual para entrar no museu Afro e recebe como resposta: “Não é dia da consciência negra, no dia, podemos voltar para fazer a selfie para as postagens do dia”
     Isso me fez ver como somos influenciados e queremos influenciar, como eu mesma agora, querendo que você ao me ler, busque sair do óbvio que nos é apresentado como cultura. Tudo o que é produção de invisibilizados, assim também será. Quanto não perdi por não ter pesquisado ver coisas e espaços ligados as minhas causas, lutas e crenças.
     Precisamos fugir desta lógica que nos mantém na postura de controlados, de saber teleguiado, de comportamento padronizado, guiados pelas emoções e buscas que nos “dizem” o que devemos buscar, quando e porquê.


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