Descrição para cegos: imagem do João Alves, entrevistado, ao fundo a imagem de monitoramento cardíaco, com a frase "Estudo da Filosofia na UTI” |
Por Natália Mélo
Estamos nos encaminhando para o fim do primeiro semestre
letivo das escolas públicas brasileiras e até agora, nenhum planejamento
efetivo para a educação. Nada de desenvolvimento de metas, números reais de investimento,
mas o de corte no ensino superior, já sabemos, 30%.
Foi um vai e volta de medidas: toca Hino Nacional com
hasteamento de bandeira antes das aulas; depois, só no início do ano; filma e
manda para o Governo; não filma e não faz nada disso, é opcional. Entrou
Ministro, que nem brasileiro era, saiu Ministro, o Enem tem parâmetros
curriculares questionado, verbetes cortados e banco de questões revisado por
uma comissão que teve como objetivo, retirar a reflexão de sexualidade, gênero,
diversidade racial, e tudo que acreditassem ser “política comunista”, como
afirmou o próprio Presidente em suas redes sociais.
Alunos foram incitados a filmar seus professores em sala de
aula, caso estes apresentassem falas e ou comportamento que fosse considerado
de apologia ideológica divergente à política nacional e houve ainda a
Regulamentação da educação domiciliar. Tudo isso sem esquecer da discussão da
retirada do ensino da filosofia da grade curricular.
Mas, qual é mesmo a importância de se estudar a filosofia?
Para nos ajudar a entender, bati um papo com o graduado e mestre em Filosofia
pela UFPB João Alves.
João, qual a
finalidade de se estudar a Filosofia?
A Filosofia tem como um dos seus propósitos ajudar os seres
humanos no seu desenvolvimento racional e no seu pensar crítico, para que ele
possa perceber o mundo a sua volta, sua relação com a natureza e outros seres
humanos, de uma forma lucida e virtuosa, como é a percepção dos filósofos
gregos.
Sem este estudo o que
poderia nos acontecer?
Para muitos, a filosofia
parece algo inútil porque não trabalha com algo técnico, material com uma
produção de uma obra palpável, que possa gerar resultado em termos de recursos
e consumo. Antes de sermos consumidores, somos seres humanos pensantes, até
para você saber o que consumir, você deve ter uma capacidade racional lucida,
se não, é levado pelas circunstâncias e
você passa a ser mero sujeito do mundo exterior, o que aparece domina você, o
objeto que é colocado diante de você
para consumo ele tem um poder sobre você, vemos isso em sociedade, se
não temos um discernimento racional o mundo nos engole, as coisas nos engolem e
acabamos não sendo mais sujeitos, e sim, objeto dos objetos. A filosofia serve
para que o ser inteligente, racional, o ser humano, o
antropus ,possa bem desenvolver sua capacidade intelectual. Caso contrário,
ele se tornará um objeto. Perderíamos o nosso bem mais precioso, que é
discernir as coisas, fazer escolhas, entre um bem e o que não nos faz bem, o
que não nos traz um acrescimento de vida. Vemos uma sociedade doente pelo fato
de não saber escolher.
É correto afirmar que
a filosofia é uma ciência?
Ela não é tida como ciência como definição acadêmica, como a
gente tem física, química, matemática, ela É tida como um conjunto de
pensamentos, correntes de ideias sistemas e no sentido mais preciso, se formos
pensar como os clássicos gregos pensavam, ela é a rainha das ciências, ela é a
origem de todas ciências. Antes de Cristo, na Grécia, não havia o que temos
hoje de ramos científico experimental biológico, ramo específico experimental
da física, não havia estes ramos especializados, as pessoas que aplicavam
conhecimento estudavam de tudo um pouco, e quem buscava o conhecimento, o
amante do saber, traduzindo literalmente a palavra filosofo, é aquele que ama o
saber, que busca o saber, ele estudava de tudo. Então essa definição de ciência
que se tem nos termos modernos, vai aparecer muito depois. A filosofia até hoje
guarda seu espaço de ser uma área do conhecimento que não se prende a algo
específico experimental em termos de ciência, não é um ramo de alguma coisa, a
filosofia trabalha com as causas que gera na verdade a pesquisa científica. Ela
trabalha com questões de ética, de moral, de metafísica, e o saber como um
todo. Ela questiona a forma de saber das coisas, ela questiona os métodos, os
pressupostos metodológicos, que as ciências usam para conhecer as coisas. É
antes de fazer alguma coisa que a filosofia se insere. Ela prepara o indivíduo
para fazer ciência.
Em que o estudo da
filosofia pode contribuir na formação acadêmica?
Ajuda na forma de adquirir o conhecimento, em fazer uma
análise de argumentos, fazer uma crítica dos autores, saber construir um texto
bem estruturado, bem concatenado em suas ideias, com clareza, concisão, com
objetividade, com lógica, para que ele tenha um arcabouço forte, difícil de se
derrubar. A filosofia ajuda a refinar o senso crítico, ajuda na construção das
pesquisas.
Qual a importância de
se estudar a filosofia desde cedo?
Se a filosofia tem como objetivo promover fundamentalmente o
senso crítico, do cidadão, desenvolver sua capacidade racional, quanto mais
cedo começar este estímulo, melhor. As crianças têm uma capacidade de
aprendizado impressionante. Diz Aristóteles, que por natureza as pessoas
desejam saber, e ele cita a infância como exemplo disto, quando nos lembra que
vemos as crianças querendo conhecer de tudo, elas tocam tudo, experimentam
tudo, estão abertas a tudo. A medida que o tempo vai passando vamos ficando
conformados, ele ainda nos diz que a filosofia começa com um espanto de se
admirar com as coisas e perguntar porque elas são assim, e não se contentar com
o obvio e nem que as coisas são como elas são. A criança estimulada desde a
infância ela chega a vida adulta com um senso crítico muito aguçado, e será um
cidadão, uma cidadã consciente dos seus deveres e direitos e de como agir na
sociedade.
Como os filósofos
recebem a proposta de redução ou até mesmo de exclusão em investimento nos
cursos de filosofia e sociologia do ensino superior?
Só vamos perder, nós temos hoje nas Universidades Federais
os cursos de Filosofia e Sociologia, eu me formei em bacharel em filosofia por
uma universidade federal, pude receber bolsas, incentivos a pesquisa e pude ter
meu crescimento acadêmico a partir do investimento federal. Se o Governo
mantiver este pensamento de que a sociologia e a filosofia não geram um
resultado imediato, como é este o discurso, em termos práticos, e por isso não
se deve ter investimento, vamos perder em muito, muito mesmo, na formação de cidadãos
brasileiros com mentalidade crítica, com mentalidade de percepção do mundo e da
sociedade madura, tendo assim uma visão puramente pragmática, que só dá
importância ao que gera lucro e poder. Teremos apenas consumidores, que apenas
pensam em dinheiro e consumir.
Qual seria o sentido
dessa diminuição de recursos?
Querendo ou não, há uma ideia do governo atual, de se
colocar na mentalidade das pessoas, que determinadas correntes de pensamentos
políticos prejudicam a sociedade, e tem toda uma ideologia por trás disso, que
tem-se que respeitar. Cada um pensa de maneira que consegue pensar ou queira,
mas eles defendem interesses próprios de princípios próprios, denominado de
direita, onde valores morais são tidos em certa conta conservador e nos valores
financeiros liberais, conservadorismo moral e liberalismo financeiro, e
qualquer outro tipo de corrente que vá trazer outro tipo de visão progressista
do ponto de vista moral e uma visão de justiça social, do campo de vista
financeiro será rechaçado, eles não vão adotar como o melhor para o país.
Considerando tudo isso, faz sentido eles quererem diminuir investimento na área
de humanas, sobretudo na filosofia e sociologia que são os dois cursos de
humanas que mais tornam as pessoas críticas com senso crítico, reflexíssimas e
com opinião própria.
Se a filosofia e a
sociologia nos dão capacidade de alto percepção e compreensão social, sem seu
estudo teremos impactos na compreensão e luta pelos Direitos Humanos?
Existe uma relação direta, pois dentro da filosofia nós
estudamos a ética, temos disciplinas como a metafisica, política, história da
filosofia antiga, moderna, contemporânea, nós temos estudo de lógica, e também
da ética, então, dentro dela estudamos a melhor maneira dos indivíduos viverem
em sociedade para que suas potencialidades sejam desenvolvidas, já que a ética
é o estudo da melhor maneira de se viver bem em sociedade. Os direitos humanos
têm tudo a ver com o que é fundamental, a vida é um direito básico, a
manutenção da sua existência, o acesso à educação, a saúde, em fim os direitos
essenciais. A filosofia não só corrobora a necessidade que os direitos humanos
sejam observados e tenham vigência real, como possibilita que os cidadãos se
conheçam mais, conheçam seus direitos e lutem por si e pelos seus. Se uma
pessoa desde cedo, tem contato com e ética, do ponto de vista da filosofia,
desde cedo ele vai entender seu papel e lutar por eles.
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